====== Partição de variação: uma espécie ======
Os três parâmetros estruturais básicos das comunidades são a riqueza, composição e abundância (de espécies, tipos funcionais, linhagens ...). Uma das abordagens da ecologia de comunidades é buscar regularidades nesses parâmetros, e propor explicações para eles. Neste roteiro vamos aprender uma das ferramentas estatísticas usadas para isto, chamada *partição de variação*.
Podemos tentar entender as comunidades analisando cada uma das populações de cada espécie presente ou podemos tentar entender o conjunto de espécies como um todo. Aqui vamos analisar a estrutura espacial da abundância de uma espécie fictícia. Começamos com apenas uma espécie porque isso facilita entender os cálculos e suas interpretações. No roteiro seguinte mostraremos como a partição pode ser generalizada para descrever padrões conjuntos de abundância de muitas espécies.
=====Preparação para o exercício=====
Para começar, escolha uma pasta para você guardar os arquivos e resultados deste roteiro em seu computador.
Copie para essa pasta o arquivo com os dados que vamos usar:
* {{ :ecovirt:roteiro:particao:roteiro1b.csv |}}
Em seguida, abra o programa R, clicando no ícone {{:ecovirt:rlogo.png?nolink&30|}} que está na área de trabalho do seu computador.
Se tudo deu certo até aqui, abrirá uma janela do R como essa:
{{ tela_inicial_r.png?nolink }}
Já com a janela do programa R aberto, o próximo passo será mudar o diretório de trabalho para aquela pasta que você acabou de criar. Com isso será mais fácil importar os dados dos arquivos ".csv" para dentro do ambiente R.
A mudança de diretório deve ser feita da seguinte forma:
* Abra o Menu "Arquivo" (ou "File");
* Selecione "Mudar dir" (ou "Change dir");
* Escolha a sua pasta na janela que abrir.
//[Obs. Para Mac, essa opção está no Menu "Misc" e a opção é "Change working dir"]//
Para checar se você está na pasta correta, copie e cole o comando abaixo na linha de comando do R. Atenção: O comando deve ser colado na frente do símbolo ">", circundado em azul na imagem anterior. Este símbolo indica o início da linha de comando ou "prompt", onde você deve escrever comandos para o R.
getwd()
Após colar, aperte a tecla "enter" e veja se o R retorna o nome da sua pasta. Se sim, ótimo. Se não, chame um monitor ou professor.
===== Importando os dados para o R =====
Agora vamos importar para o R os dados que você gravou em seu diretório. Para isso copie o comando abaixo, cole na linha de comando do R e pressione "enter":
dados <- read.csv("roteiro1b.csv")
Se não houve nenhuma mensagem de erro agora você tem no R uma tabela com 100 linhas e três colunas, que explicaremos a seguir. Se quiser verificar se a tabela foi importada, você pode usar os comandos seguintes para mostrar suas primeiras e últimas linhas:
head(dados)
tail(dados)
===== Em busca de uma estrutura =====
A abundância de uma espécie pode variar muito, no tempo e no espaço. A pergunta fundamental aqui é o que causa esta variação. A partição de variância é um método para avaliar o quanto da variação de uma quantidade pode ser atribuída à variação de uma outra quantidade. Usamos este método para avaliar se é plausível que a abundância de uma planta em uma área varie em função da variação de um fator ambiental, por exemplo.
==== Um padrão ====
Vamos aos nossos dados, para deixar mais concreto. A figura abaixo representa uma parcela permanente, que foi dividida em 100 quadrados. Em cada quadrado foram contados todos os indivíduos de //Non illum//, uma erva daninha invasora. A abundância da planta por quadrado vai de dois indivíduos (cinza claro) até 41 indivíduos (cor preta).
{{ mapas_single1.png }}
==== Uma hipótese: variação ambiental ====
Percebendo a concentração de plantas no canto superior direito da parcela, uma ecóloga propôs a hipótese de que a planta tem uma associação com solos menos ácidos. Ela chegou a esta hipótese porque havia medido o pH do solo superficial em cada parcela, o que usou para fazer o mapa a seguir (à direita). Neste mapa, cores claras são valores mais baixos de pH e cores escuras valores altos.
{{ mapas1.png }}
Parece razoável? Para avaliar melhor isto vamos fazer um gráfico da relação entre a abundância da planta e o valor do pH em cada parcela. Estes dados já estão na planilha que importamos para o R na seção anterior, então temos só que dar o comando que cria o gráfico:
plot(abund ~ pH, data = dados)
O gráfico sugere que a abundância da planta é proporcional ao pH. Se isso é verdade, deve haver uma linha reta que aproxime bem esta relação. A **regressão linear** é uma técnica estatística para encontrar esta reta. Execute no R o comando para ajustar a regressão linear da abundância em função do pH:
regr.pH <- lm(abund ~ pH, data = dados)
E adicione a linha da regressão ao seu gráfico com
abline(regr.pH)
==== A variação explicada pela hipótese ====
A regressão linear nos retorna muita informação importante sobre a relação que hipotetizamos. A que mais nos interessa agora é o **coeficiente de determinação**, expresso pela sigla $R^2$. Este coeficiente expressa a proporção da variação total da variável resposta (a abundância, no caso) que é "capturada" ou "explicada" pela variação da variável explanatória (o pH, no caso).
Para obter o $R^2$ da regressão que ajustamos acima basta o comando((com este comando também estamos guardando o valor obtido em uma objeto chamado ''X'')):
(X<-summary(regr.pH)$r.squared)
O que mostra que 68,6% da variação da abundância da espécie é explicada por uma relação linear com o pH do solo superficial.
Extra: Se ainda não fez, quando tiver tempo e quiser entender os cálculos do $R^2$ passo a passo experimente [[ecovirt:roteiro:math:coef_determinacao|o roteiro sobre coeficiente de determinação]].
==== Outra hipótese: limitação à dispersão ====
Uma outra ecóloga sabia que a invasão por //Non illum// era recente e havia começado pelo canto superior direito da parcela por sementes trazidas acidentalmente por tucanos, que desapareceram em seguida ((ao que parece tucanos e patos amarelos dispersam apenas uma vez as sementes, pois morrem envenenados por elas)). A ecóloga então propôs que quadrados mais distantes do ponto de entrada tiveram menores chances de serem colonizados. Essa hipótese propõe que a variação da abundância desta planta observada na parcela é resultado apenas da **limitação à dispersão**. A ecóloga criou então um mapa para expressar sua hipótese. Neste mapa (à direita) os quadrados com maior chance de receber sementes estão em tons mais escuros:
{{ mapas2.png }}
Esse mapa é construído atribuindo um valor a cada quadrado, que deve expressar um índice de abundância relativa da espécie de acordo com o esperado pela hipótese proposta. No caso, este índice pode ser interpretado como proporcional à probabilidade de estabelecimento de uma semente. Uma hipótese de limitação à dispersão é expressa pelo arranjo espacial de áreas com alta e baixa probabilidade de estabelecimento, de acordo com algum modelo de dispersão ou estabelecimento. Neste caso o modelo é bem simples: quanto mais distante do vértice superior direito, menor a probabilidade de estabelecimento. Por isso vamos chamar o índice usado para construir o mapa de **variável de estrutura espacial**. Os valores dessa variável também já estão no arquivo que importamos para o R anteriormente.
Compare o mapa da direita com o mapa de variação da abundância da planta (esquerda). Será que a limitação à dispersão proposta é uma boa hipótese? Para ajudar, faça o gráfico da abundância em função da variável de estrutura espacial com o comando abaixo:
plot(abund ~ space, data= dados, xlab = "Variável de estrutura espacial",
ylab= "Abundância de N. illum")
==== Teste da hipótese de limitação à dispersão ====
Para testar esta nova hipótese ajustamos a regressão linear da abundância em função da variável espacial:
regr.space <- lm(abund ~ space, data = dados)
E podemos adicionar a linha da regressão ao gráfico:
abline(regr.space)
==== Variação explicada pela hipótese de limitação à dispersão ====
Obtemos a fração da variação da abundância explicada pela variável espacial com o comando que já conhecemos,
aplicado ao objeto que guarda os resultados da regressão:
(W <- summary(regr.space)$r.squared)
===== Partição da variação entre ambiente e espaço =====
Resumindo o que encontramos até aqui: uma variável ambiental (pH) explica 68,6% da variação da abundância da espécie. Porém, uma variável de estrutura espacial explica 65,5% desta mesma variação. Como é possível que a soma dos percentuais de variação explicada passem de 100% ? 8-O
A resposta é que há uma relação entre o pH e a variável de estrutura espacial:
plot(pH ~ space, data = dados, xlab = "Variável de estrutura espacial")
O que significa que **a variável ambiental tem uma estrutura espacial**, que é bem descrita pela estrutura espacial proposta pela segunda hipótese. Assim, a variação explicada pelo pH contém uma parte de efeito espacial. Da mesma forma, uma parte da variação explicada pela variável espacial contém efeito do pH.
A esta parte da variação compartilhada chamamos **variação ambiental estruturada no espaço**. No esquema abaixo esta parte da variação explicada é o componente $b$.
{{ :ecovirt:roteiro:particao:particao.png?nolink&700 |}}
O círculo da esquerda representa a variação explicada por uma variável $X$, no caso a variável ambiental. Vemos que a variação total explicada por $X$ é a soma do componente compartilhado $b$ com o componente $a$ que chamamos **fração de variância explicada apenas pelo ambiente**.
Da mesma forma, o círculo da direita representa a variação explicada por uma segunda variável $W$, no caso o espaço. Vemos que $W$ é formado pelo componente $b$ (compartilhado com a outra variável) somado a uma outra fração $c$, que chamamos de **fração de variância explicada apenas pelo espaço**.
Por fim, a variação total é representada pelo retângulo externo. A parte não coberta pelos círculos é a variação que não é explicada por nenhuma variável, indicada por $d$.
==== Variação não explicada ====
A variação não explicada por nenhuma variável é obtida da regressão que inclui todas as variáveis:
regr.tudo <- lm(abund ~ pH + space, data = dados)
De onde obtemos a variação explicada pelo pH e a variável espacial juntas:
summary(regr.tudo)$r.squared
Esta quantidade corresponde a $a+b+c$ no diagrama acima, que vamos chamar de $XW$. Sabendo que
$$a+b+c+d\ = \ XW + d \ = \ 1$$
temos então que
$$d = 1 - XW$$.
Assim, obtemos $d$ subtraindo o valor acima de um:
(d <- 1 - summary(regr.tudo)$r.squared)
==== Juntando as peças ====
Agora temos todas as peças que precisamos para calcular como a variação da abundância de //Non illum//
pode ser particionada entre os componentes do diagrama acima:
$$
\left\{
\begin{array}{l}
a + b = X \\
c + b = W\\
a + b + c = 1 - d
\end{array}
\right.
$$
O que implica em
$$ d + X + W -1 = b$$
Usando os valores que já calculamos e guardamos no R temos então:
**Fração devido a espaço e pH ($b$)**
(b <- X + W + d - 1)
**Fração devido apenas a pH ($a$)**
(a <- X - b)
**Fração devido apenas a espaço ($c$)**
(c <- W - b)
**Fração não explicada ($d$)**
d
=====Conclusão=====
Abaixo o diagram da partição da variação na abundância de //Non illum// nos componentes que definimos neste roteiro:
{{ :ecovirt:roteiro:particao:venn_univar.png |}}
===A pergunta sobre a vida, o universo e tudo mais===
Qual hipótese tem mais apoio dos resultados?